Hã?


Sim, a anã saiu do microondas para não ser assada demais no artificial realismo de todas as coisas. Precisava conservar sua genética de alguma forma.
O circo fora armado sem seu consentimento e ela pensava apenas no seu ridículo tamanho. Um palmo a menos, umas gramas a mais, tudo era uma questão de medidas agora.
Suas perninhas, sua carinha, seus bracinhos, seu corpinho de massinha de modelar, tudo isso fazia a alegria dos equilibristas, dos palhaços e dos tratadores malvados de elefantes.
Menos do domador. Ele queria uma massinha maior que combinasse com o seu chicote e saíssem dançando e chutando a lona. E depois, só aplausos!
Quando era criança ele sonhara uma vez em ser dono da maior orquestra do mundo mas seu pai o obrigara a ser apenas um tocador de trombone.
Quando tocava, suas bochechas inflavam tanto do ódio paterno que as notas dobravam em acústica e saiam em forma de arrotos histriónicos e peidos enormes.
A anã tinha aprendido a tocar violino com sua avó paterna e adorava todas as notas musicais. As mais desafinadas ela colocava dentro do seu balão azul, engolia e saia espirrando uma água de cheiro excêntrica como ela: canela, quebra-pedra, éter e gás hilariante.
Encontraram-se no túnel do amor por acaso. Ela tinha ido na casa dos horrores muitas vezes e não via mais graça nenhuma no vampiro, no lobisomem, em Jack Estripador. Que idiotice tentar imitar a vida como ela é.
Talvez por isso entrara naquele túnel, talvez o previsível escancarado lhe fizesse dar um gemido. Não sabia ao certo, na verdade. Era só uma anã perdida no mundo dos gigantes.
Ele entrou só porque entrava em tudo que era lugar mesmo, querendo ver seu pai e ele na casa de todos os espelhos. Bonito ele, como Bruce Lee.
Combinaram de se encontrar na barraca de tiro ao alvo no dia seguinte.
Ela subira num banquinho e queria acertar e ganhar todos os bichinhos e ele queria detonar com a barraca e comer a maçã do amor de uma dentada só.
Caramelizou. Onde vende-se receita para microondas mesmo?
No outdoor mais escancarado e escroto do mundo, em braile: "EU BEM QUE AVISEI".

A maldição da lista continua

Compactuando com a maldição-convite de Paulo Castro bebedor de xixi e mantenedor do estilo fudição no inferno é pouca merda, atendi, joguei pra cima os dados e dedos e tá aí agora pra quem quiser ver. A tal "listinha pela não edificação" (cujo nome por sinal achei esnobe pra caralho).

Mas resolvi contrariar o contrato com o blog anterior e comentar meus cinco autores melando em verso e prosa.

Não largo minhas bolhas de sabão por nada, nem se garantissem e pagassem minha cremação.

Não esperem grande coisa porque no fim é tudo um grande pretexto pra falar do que mais entendo: eu, eu e eu mesma, e eles em mim, ou seja, eu de novo.

Haja saco.

Mas não vou mentir, quando acabei até bati na mesa e falei: "É buchaaaa!"

Após o monólogo o dominó continuará. Quando encontrar mais cinco criaturas tão entediadas quanto eu que se prestem a esse grande serviço humanitário colocarei seus blogs listados.

Julio Cortázar:

Quem me apresentou foi meu amigo André. "Grazzi, esse aqui é o Júlio e ele já te conhece melhor que eu".Fui verificar e vi que era verdade mesmo. Passei a ler tudo que encontrava dele pela frente.Meu amigo então me propôs um menage (não suspeitaava do seu tesão) mas eu não quis, não dava pra entrar mais ninguém ali.Tornei-me o Axolote de Cortazar e ele virou meu olho de vidro. Inúmeros contos. Só que os meus eu rasgo quando quero virar peixe frito. Aquarius. Raiz azul que tende a ficar roxa.

Virginia Woolf :

Orlando na orla rola

Eu e ele somos a mola

Ela e eu nos ondulamos

Iremos e fomos um, orlando...
Minutos nas horas; segundos

vestígios de fluxos são fundos

Torneios eternos sem tempo

Queremos a carta do vento
Seremos o que seremos

Ontem eu não vou, não vou

Porque já sei que não estou
Flush me disse amanhã que chora

Só por ter passado da hora

Do que da nossa morte ficou.

Dostoievsky:

Ligamo-nos eu e ele através de doenças crônicas. A cada retorno, mais um filho pródigo.Seu jeito de ser eu me confortava e me doía e quis congelar com ele na Sibéria, mas com muita vodka derramada e tocada fogo antes.E a cada lida e relida (sim, foram muitas) buscando moinhos dentro do chão me aperfeiçoava em ser o que sou hoje. Uma perfeita Idiota.

Jean Genet:

Coito, coito, coito - morto

Morto, morto, morto - vivo

Vivo, vivo, vivo - corvo

Corvo, corvo, corvo - crivo

Galope com sela. Não há janela

Janela sem chuva. Não há garoa

Garoa com cela. Não vale nada

E prata é Biombo na tua doida

Sabe o final da roda louca

Sente e rasga o cu do mundo

Geme e grita que é imundo

Sei o que sabe o teu cinismo

Menina esporrada como menino

Cuspimos em tudo que não nos mova.

Patrick Suskind:
Só li um dele e não quero ler outros.Grenoille me deixou num transe de ternura total, do início ao fim daquele Perfume sem frasco.Tanto que gritei no final do livro como uma histérica mocinha torcendo pelo herói e querendo ser estraçalhada e comida aos pedaços no lugar dele.Preciso dizer algo mais? Não, então não digo. Tá bom por hoje porque vou ter que desossar um frango pro almoço de amanhã.

Muuuuu



Kor a pegou no colo mas antes colocou o papel carbono usado pela milésima vez.
Sorria enquanto tentava decalcar fazendo um furo com o dedo, esfregando, esfregando e esfregando.
A sua prova de amor(sic) era mantida enclausurada em forma de gotas de sutileza. Adoçante...mas de aspartame pra não engordar e tomar gosto demais pela vaca leiteira.
Tinha uma engraçada vergonha de ter vergonha e por isso comia bombas de chocolate e creme escondido das vistas alheias.
E todos os dias, após o expediente bancário, disfarçava seu gosto por café morno de padaria fingindo que estava revisando sua contabilidade pessoal na agenda, na frente daquele balcão sujo.
A fila anda, a fila anda e o atendente estende o paliteiro sem ser requisitado(fura logo, fura logo)para ver se o cara se manca e dá lugar pro próximo cliente.
"Obrigado, sr.atendente, agora sim deu tempo do café amornar direito e descer pela goela de vez" (agora ele tem um sorriso fervido na cara).
Com seu diploma de esfregador contumaz de papel carbono fora promovido em apenas um dia a gerente.
O problema da gravata ele cuidaria depois. O importante era garantir o vale-nata mensal.
Qualquer imprevisto...havia o magarefe (sic).
E o Catchup.

TU!

Começamos receosos e desconfiados um com o outro por já prevermos (hoje sabemos disso) nosso alto grau de irresistibilidade marinha.

Mas mesmo assim, acabamos por esbarrar nossos ombros sinuosos na curva mais alta e assim nos cravamos um pacto calculado de completa inutilidade e requinte.

Meus longos silêncios feudais eram reflexos da nossa relação incestuosa, pois erámos excêntricos irmãos. Criaturas híbridas mas que não suportavam pensar em se desfazer dos gêneros masculino-feminino.

E embora fóssemos renascentistas nas horas que antecediam a necessidade, nunca houve guerras a serem ganhas.

Nos comprazia a conversa infinita, a arte suprema, que deve antes de trazer utilidade, destilar prazer, as palavras que juntas não fiquem justas. Um idílio de nobreza, anuência de sentido unívoco.

Excluímos radicalmente a tentativa de debilitar essa relação de reciprocidade em estado bruto (diria líquido pela permissividade). Uma encenada e deliciosa aristocracia arrogante, com soberba que dava-se ao luxo de divertir-se apenas aos seus. Eu e tu.

Sade nos observando constataria que a nobreza que resiste é mesmo antes de tudo, uma perversão.

Pois éramos perversos em nossa alegria, nos detalhes e na graça.

Como eu, ele também sorria sardonicamente de democracias e só as aplicava em outros, não em si mesmo.

Entre jogos com regras próprias e não canônicas e o paganismo de artesanais presentes castos pelo desejo imperioso do fetiche, erguemos nosso império de sedução. Modernistas em ligações perigosas. Trambiqueiros de si mesmos, gozados em oportunas decadências.

Como não éramos especialistas em arte dramática seguimos sem nos preocuparmos nem um pouquinho com coerência personal, segmentos ou categorias.

Aceitamos sim o glamour mas resolvemos que dançaríamos graciosamente antes que se tocasse a marcha fúnebre. Com a fome incontida dos que se abstém do jantar dos mórbidos, pois a tragédia já é sabida demais para acalentar um charme emotivo.

Por isso eu, que tenho uma porção provinciana insuspeitável, deixo-lhe hoje uma camélia.

Encontro...

Eu nunca ousei escrever aquela palavra, em lugar nenhum.

E desde o primeiro dia em que ela surgiu para mim, dentro do meu eco, nunca mais fui a mesma. Foi irreversível.

Letras luminosamente gritantes e embaralhadas dentro de um silêncio maior que eu me cegando orgasticamente. Assim ela começou a devorar-me a existência.

Em meio a livros, nas portas de banheiros públicos, em bíblias e alcorões, em panfletos de propaganda, em mensagens telepáticas, ela estava lá, rasgando tudo. E ninguém a via, somente eu.

Era como uma maldição. Havia dias em que, ao acordar, não pisava no chão com receio de tocá-la com meus pés e poluí-la.

Em outros ficava horas andando pela casa de olhos fechados para que ela não se ofendesse com o meu olhar.

Conversava comigo, a muda, e me exigia integralmente a devoção. Minha fidelidade canina devolvia com ferocidade.

Numa noite sonhei tão intensamente com ela que copulei mil vezes em apenas um segundo. E emprenhei de cem gêmeos.

Expeli todos de mim com muito sangue e com tanta força que todas as paredes ficaram vermelhas.

Coloquei folhas de papel sobre todo o sangue, onde abaixo havia somente paredes, e as recobri de outras tantas palavras.

Mas ainda não ouso escrever o nome dela em nenhum lugar.

Em nenhum lugar do mundo caberia tanto.