Sim, a anã saiu do microondas para não ser assada demais no artificial realismo de todas as coisas. Precisava conservar sua genética de alguma forma.
O circo fora armado sem seu consentimento e ela pensava apenas no seu ridículo tamanho. Um palmo a menos, umas gramas a mais, tudo era uma questão de medidas agora.
Suas perninhas, sua carinha, seus bracinhos, seu corpinho de massinha de modelar, tudo isso fazia a alegria dos equilibristas, dos palhaços e dos tratadores malvados de elefantes.
Menos do domador. Ele queria uma massinha maior que combinasse com o seu chicote e saíssem dançando e chutando a lona. E depois, só aplausos!
Quando era criança ele sonhara uma vez em ser dono da maior orquestra do mundo mas seu pai o obrigara a ser apenas um tocador de trombone.
Quando tocava, suas bochechas inflavam tanto do ódio paterno que as notas dobravam em acústica e saiam em forma de arrotos histriónicos e peidos enormes.
A anã tinha aprendido a tocar violino com sua avó paterna e adorava todas as notas musicais. As mais desafinadas ela colocava dentro do seu balão azul, engolia e saia espirrando uma água de cheiro excêntrica como ela: canela, quebra-pedra, éter e gás hilariante.
Encontraram-se no túnel do amor por acaso. Ela tinha ido na casa dos horrores muitas vezes e não via mais graça nenhuma no vampiro, no lobisomem, em Jack Estripador. Que idiotice tentar imitar a vida como ela é.
Talvez por isso entrara naquele túnel, talvez o previsível escancarado lhe fizesse dar um gemido. Não sabia ao certo, na verdade. Era só uma anã perdida no mundo dos gigantes.
Ele entrou só porque entrava em tudo que era lugar mesmo, querendo ver seu pai e ele na casa de todos os espelhos. Bonito ele, como Bruce Lee.
Combinaram de se encontrar na barraca de tiro ao alvo no dia seguinte.
Ela subira num banquinho e queria acertar e ganhar todos os bichinhos e ele queria detonar com a barraca e comer a maçã do amor de uma dentada só.
Caramelizou. Onde vende-se receita para microondas mesmo?