Nada é estranho. Tudo é tão íntimo que se imprime em água envolvendo o corpo.
Quando acontece o tempo essa criatura que geme nada incompreende. Tatuagens. Carnes de sonhos.
E então naquela madrugada o cigarro acabou e ela olhou desesperadamente ao redor. O relogio, porra! Ainda faltam algumas horas subindo e descendo por dentro do esôfago, cruzando o intestino pra boiarem entre os dois pulmões afogados.
Não tinha carro pra sair pelas avenidas e parar num daqueles postos 24 horas, nem poderia ligar pra algum restaurante desses com a desculpa esfarrapada de encomendar algum prato exótico ou comum de pronta-entrega. No final perguntaria displicentemente como se já não soubesse da afirmativa: "Aí vocês vendem cigarro?"
Acontece que estava dura, sem um tostão furado. Até a pistola já empenhara no último duelo em que errara de propósito o dolar e acertara o olho do mocinho com cara de gerente de vendas.
Pegou o telefone e já sabia a única resposta possível.
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Do outro lado da cidade um sujeito entra num carro com uma dona. A dona do carro.
Ela, alta em suas medidas e jeito de gostosona executiva. Projetando seu sucesso de cotas do mês na noitada de sexo que teria naquele motel recém-inaugurado.
Com esse sujeito valia a pena ser empreendedora, orgasmos mil garantidos. Saúde pra dar e vender naquele corpo de peão com espírito de toureiro. E de bônus, sabia que ele não ligava a mínima pra ela e suas regalias, apesar de ser um fracassado como tantos outros e que só estava ali por um motivo que ela fazia de conta que desconhecia.
"Mas a mais-valia valia a pena, hein mocinha!". Pensou com um risinho de canto de boca.
Conversam sobre amenidades. Bem..não tão amenas assim pois esse cara não suporta mais de dez minutos nessa seara bucólica.
"Liga o rádio querido, naquela faixa que você adora". No meio da música o celular dele toca. "Como? Ela está com febre mesmo? Não, você não está me incomodando, para com isso, vai! Já, já, estou aí, se acalme!"
- Querida, me desculpe, mas a nossa noitada furou. Vai ficar pra próxima, espero mesmo que me perdoe. Dá pra você parar num posto de gasolina? Preciso comprar um anti-térmico e levar pra casa urgente! E me empresta cem reais aí porque pode ser que precise. Te devolvo em dobro!
- Claro, querido, tudo bem. Mas você não mora sozinho?
- Sim, moro. Mas aquela não é a minha casa realmente...
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Encolhida no sofá, chorando e balbuciando: - Me des..culpe..
Foi assim que ele a viu quando entrou, a porta já encostada.
Sorriu, pegou a sacola plástica com os três pacotes de cigarro e falou:
- Você nunca vai saber como é delicioso pegar na sua mão e te entregar exatamente o que você quer..
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