Mareou (Quadratura)


Francamente? Não.
O café sempre é servido meio frio já, como se no intervalo entre colocar água na chaleira e acender a boca do fogão, o gás escapasse todo.
E você sabe mais do que ninguém como o chá para a classe média representa um ótimo escalda-pés.
Não que eu não faça grande diferença em praticamente tudo, mas e daí, não é mesmo? O caso é que eu não sei realmente de que porra você está falando quase nunca e mesmo assim sempre acerto as quinas acumuladas.
E antes que você diga que o inverso também acontece, eu digo que isso seria possível se não fosse por um detalhe: O inverso sou eu.
Isso é o fim da picada para alguém que já tem mais do que recordes batidos e tem plena convicção de que o imponderável é nunca ter conseguido dinheiro suficiente para comprar uma máquina de lavar com centrífuga à vista.

Confesso que admiro quem consegue ler praticamente todos os livros até o final e ainda sem bocejar. Mas só os que, nesse intervalo, nem respiram.
Lembro de época em que determinados homens eram escolhidos a dedo por algum dado pirotécnico lançado verticalmente nas matriarcas do cu do mundo enquanto eu apenas não tinha nascido.
Enquanto você escreve e lê amores, eu lavo e espremo a roupa suja na mão e ainda com um certo ar contrariado que nem me convence. Sempre serei neta de lavadeira.
Chacot pra mim é bosta. Berlim é bosta. Pensando bem, você é um bosta. Não que eu fique muito atrás disto também, afinal tenho tanta preguiça desse lance homens-mulheres.

Quando penso nas besteiras enormes que fabricam casais a granel tenho até urticária. Afinal é isso que são homens e mulheres, né? Um monte de frescura intercalada com grandes ares de sabedoria messiânica gay, variando quem dá o rabo pra quem de hora em hora pedindo bis.
Mas ficam adoráveis lembrando de alguns sorrisos sem autógrafo.

Pensando bem, nada disso.
Chacot me lembra chacota, de Berlim lembro de "Asas do desejo" (era em Berlim, não era? Se não foi passa a ser agora). Porra de filme desgraçado que me fez sentir uma rolinha manca e que prometi assisti só uma vez por ano, todo o resto da minha vida.

No dia em que uma mulher nascer perdoada por ter um lindo sorriso, eu chuparei picolé de café, nua, no polo norte.

..

Texto gasoso inspirado no: http://vazamentosdevapores.blogspot.com/

Genealogia da Inveja ou Grazzi-Bel a despeito das flautas



Passe a dama por debaixo da mesa.
Ela tem 64 chances na ascendência e 32 na descendência.
O pó de engodo não trina, se estabelece.
E pela beira, o corpo coagulava?


A noite cobriu o tabuleiro delirante de fendas. Numa passagem de flash.
Começou nesses membros a mais que chegaram e já estavam aderidos. Vez que empolava as dobras, de tanto reunir. De duas em duas é que o movimento esvazia o horizonte. Ficaram 20 em cada país. E as casas dividiram-se entre claras e escuras.

O silêncio, por dentro, era de lava. E diziam que ela não podia com a palavra:

'Isso, menina, escreva! que poeta, heim?'. E ela, centauro de tetas, estranhava o arremesso. As casas pretas tomavam as brancas no deslize. Mas só as brancas podiam começar o jogo.

"Onde livro anunciado, me dissolva a menstruação!"
Então ela abria a porta, a pia ainda pingando papéis, ia se cortando em tirinhas, para enfeitar o natal em família.
A irmã oferecia um dinheiro para o brilho e costuravam agulhas no cristal.

Pelo que lhe restava num segundo de memória, observou por mais de cem anos o observado se observando: conceitos pediam sempre companhia;
Era engraçado criar tantos já desacreditando de todos, tremer um pouco ao saber e ouvir Lou Reed mirando o disco.
‘Sabe, a captura é obrigatória’.

Depois onomatopéia de gorila-imitação avançando sobre si e mais risos trouxas, às vezes uma lágrima por não se lembrar mais como era antes de soletrar. De cheiro de bosta de camelo era a insígnia.

Também não acreditava em sorte ou azar, bastava fechar os olhos,"Valei-me vó!" e PuFF!Porquês não lhe interessavam mais que um chiclete grudado no cabelo. "Podem rapar! Vendo perucas, carecas! Mas os pentelhos são meus." Segunda casa de coroação.

Uma vez a febre queimou o primeiro armário. Já estava em paz com a sodomia. mas a febre vinha raspando o sacro na fagulha, e ela correu.
'Quem é?'
'Sou eu, com as surpresas'
'Tem certeza que vai viver aqui?'

E foi colocando as pedras no móvel e na geladeira, aparas de músculos que saltavam pra dentro da saliva quente.
Gargalhava quando, nela, a gorila ameaçava, a sala virando montanha. Subiam e desciam pelas gavetas compondo mosaico e paredes de ruas.
'Tenho certeza sim'.

Então tá. Entra sem diagonal!

Terceiro armário no andar de quarto sem compasso e o quinto fazendo porta no sexto simulacro. Sorri sobrando no ritornello.

O segundo armário era tão simples que se construíam exércitos de chaves. Chovia no eixo das dobradiças. 'Sem casa, pode? Vagabunda’!

Esqueci a porta da cozinha aberta. Daquela vez a gorila derrubou o tabuleiro e engoliu as pedras. O trapezista foi um homúnculo que babava prosopopéias. Lembro de um incêndio que não acudiu retina. Um vodu gangorrava o alheamento.

E agora não sei se era dia ou noite. Não é agora que se diz sonhei?

(Ele atravessou o poço, provou que era feliz e gozou no garfo de uma suspeita).

Afinava a carcaça de seda no magarefe e encurtava as ancas pra mijar na boca dele.

"Troco um lote de metáforas por uma vassoura que não voe" e foi a pé mesmo, morder umbigos em necrotérios.

Azul em rosa



Embaraçamentos em muitos dedos longos de nós.

Desde meninas eram assim e não sabiam exatamente porquê. Não que isso as incomodasse de fato; a indiferença forçosa as alimentava de tal maneira que à distância guardavam uma amorosidade de baú em dia de limpeza.

Sentiam-se protegidas assim, envoltas naquele arremedo de nostalgia, encontrando-se entre dobras antigas e estranhando algum botão gasto demais que pulasse inesperadamente ao toque das mãos. Uma vez por ano acrescentavam ou retiravam um item dos relicários de imbúia, um com arabescos de tinta rosa na borda; o outro em azul. Cada uma em sua casa, com data previamente combinada e resguardas na distância geneticamente elaborada, enlaçavam a perenidade assim. E esta era uma regra inalterável.

No dia do encontro telefonavam uma à outra, marcavam a visita simultaneamente aos tais baús, cada uma em sua casa, mesmo morando as duas no mesmo quarteirão.

- Ontem sonhei em rosa.
Um leve arremedo de suspiro do outro lado da linha foi contido a tempo pela resposta.

- Então será hoje.

Nada mais diziam, apenas desligavam o telefone e encontravam-se nas brumas daquelas raízes fossilizadas. Ritualisticamente, o momento as enfeitava desse jeito há mais de quinze anos.

Enquanto a primeira preparava o banho quente, a segunda tomava chá de hortelã, já sabendo que seria assim e discordando as duas da ordem desses acontecimentos, pois quanto a tomar o chá antes do banho sempre houvera divergência explícita entre elas.

O relógio contou muitas horas, como botas pisando um gigante, e adiantou-se ás burocratas senis.
- Ontem sonhei em azul.
Dessa vez não houve ar que paralisasse o gemido.

- Mas..como? Há alguns dias nos encontramos e ainda neste ano que corre!
Um ar de contrariedade num segundo mudo.

- O que você sugere? Que não sonhemos mais ou mudemos todo o processo?

- Não tente trazer-me riso à cara, sabe que isso me irrita profundamente!

- Não tentarei.

- Troquemos os baús então, hoje mesmo mandarei o meu à sua casa. Isso arrematará seu sonho e talvez o regularize novamente.

E assim fizeram. O da mais nova era mais velho e o da mais velha, pesado. Por isso combinaram de abrirem as tampas somente quando a que mais chorasse sem aviso, sorrisse. O sinal seria um toque ao telefone, desligando a seguir.

Toque dado, baús trocados, tampas abertas..puseram-se a vasculhar lá dentro, no início com certo desprezo ao fetiche, depois com iconoclasta voracidade.

Em rosa: alguns recortes de revistas com frases ao meio coladas em pedaços de cortiça; pedaços colhidos de páginas policiais; um frasco de perfume vazio; um retrato de um casal desconhecido; cuidadosamente envolvida num saco transparente, uma toalha nunca usada, em bordado inglês; uma boneca quase careca; um broche.
No fundo falso, uma cópia de pintura antiga e barata sem assinatura.

Em azul: o mesmo retrato de um casal desconhecido, um lençol amarelado com uma enorme mancha de vinho que ainda teimava em impregnar todo o interior; cartas de baralho faltando coringas; uma tesoura enferrujada; almofada grande sem enchimento e um conjunto de colar e brincos de pérolas tortas.
Uma ilustração em tamanho reduzido de um pintor famoso, sob o fundo falso.

Uma delas fechou a tampa, não sem antes rasgar um dedo com a tesoura enferrujada e acrescentar gotas de sangue pingados ao baú da outra, que ao recebê-lo no dia seguinte, tremeu.

Outrora nunca lhe passara pela cabeça, que o chá que a irmã sempre tomava antes do banho, fosse frio.

Com as faces alagadas de vermelho, livrou-se da pintura sob o fundo falso, despediu-se dos sonhos do azul em rosa e mudou de endereço.

..

Carta





Não aqui: antes.

Como alguma madrugada em distância de cuspe, voltei lá. Esgoto em calha que renderia sobrevivência.

Havia mais ainda que desconsiderei como avanço e mesmo assim segui, amanhã o inútil já esgotado.

A escada tentava conter uma febre fria escorrendo do manual e gotejava esboço de luneta suja.

Capinei um poema de carne horas atrás, soquei num buraco de concreto e foi tão grande a fissura que sumiu!

Agora não antes: aqui.

..