Nômade



Elisa no bolso.

Gostava assim. Caída dentro de uma caixa de fósforo.

Sendo carregada por quem precisasse de fogo pra acender um cigarro.

Gostava de pensar que talvez aquele fosse o último cigarro a ser aceso por algum viciado. E sorria pensando nisso.

Viciados continham aquela ternura linda de artifício sem-vergonha.

Coisa de pegar um copo de cachaça já com a mão tremendo e até antes de colocar na boca sentir como se o mundo todo estivesse à sua disposição finalmente, naquela metade de minuto.

Naquela metade de gota..antes de morrer.

..


No bolso de Elisa.

O que morava ali: herança de ciganos ricos e mendigagem.

Os três porquinhos e os irmãos metralha sem disneilândia.

Ossos do ofício. Dizem.

..


Entre as duas ranhuras.

O desespero de todos e o sorriso de alguns desesperados atravessando o elmo dos horrores.

Entre o copo e a água uma passagem de segundo. Minimalismo selvagem.

..


Numa casa menor ainda feita de tripas de sangue coagulado a porta de entrada não era o espetáculo.

As crianças que passavam ficavam doces imaginando uma enorme maçã do amor gotejando.

Foi assim que nervos, vísceras e carne-viva viraram suco de língua.

Elisa lambia o avesso-mundo.

Agora montava vagões e saía pelo trilho com os bolsos cheios de sabotagens.

Distribuindo tropeços pelo mundo-avesso.

..

25 comentários:

Anônimo disse...

quando a brincadeira de criança vira um "suco de língua" é bom escutar o que se diz... do lado de cá do avesso, senti a lambida.

Zisco disse...

Torpedos sem precisar de telefone celular, são do tipo mais letal, estraçalham as tripas para poder se construir a casa com seu sangue coagulado.

Unknown disse...

pensando, pensando...

vinho tinto seco leve num copo de cristal, enquanto o mundo lá fora dá voltas...

Liah in Casulo disse...

Menina Nomade...

Não se trata de apropriar-se judiciosamente, mas de compreender na ilimitada possiilidade da cisma poética.Somos ouvidores.Sentidos armados para o Estar no espaço real, sem abdicar das suas tentadoras contradições, dsesafios e Convites.Sentir Línguas!!!

Celebro-te.

Anônimo disse...

Incrível essa sua versatilidade cada texto uma imersão!!
Nessa me senti tirado um pedaço. Doeu .
bjo.

Lance

Anônimo disse...

Não que Elisa precisasse das línguas todas do avesso do mundo. Era só uma vontade secreta que a empurrava para dentro do bolso em busca da caixa.

Rachel D.Moraes

Anônimo disse...

Elisa tem cara de maluca e de maluca não tem nada.O que tem de gente que vai se desapontar em saber.os idiotas (vc sabe quem). Isso claro SE entenderem.kkkkkkkkkk
bejo
bejo
bejo
Marcus

Anônimo disse...

Vc diz: ótimo é sentir línguas, lamba e seja lambido sem vergonha mas com verdade.

Adorei!

Suely

Samantha Abreu disse...

e nesse mundo avesso, eu e Elisa nos esbarramos.
Tenho tantos bolsos que, no final das contas, vejo que me faltam mãos.
:D

Texto lindo, Grazzi!
Um beijo, querida!

Rogério Camargo disse...

Elisa até pode lamber o avesso-mundo.

Mas que a criadura dela sabe um monte sobre o mundo direito (que não se deve lamber), lá disso não tenho a menor dúvida...

Ana Terra disse...

Quem a colocou no bolso?

Parabéns, Grazzi, ficou ótimo.

Unknown disse...

Guarda-se o inconsciente no consciente ou o consciente no inconsciente..? E se um guarda o outro, o que os guarda de todo o resto..? e o todo o resto..? guarda-se onde?
Tem sido difícil manter a consciência do que se passa...

Luis Surprises & Grazzi Yatña disse...

Uma alma assim, como a da Elisa, nunca adormece em total silêncio...

Dá piruetas no abismo do mundo. Move vagões em trilhos desalinhados. E espera o último palito de fósforo ser aceso, só para roubar-lhe o fogo.

Grazzi... Arquiteta das palavras, que constrói castelos de cartas só de coringas... rs :)*

Beijoos

Izabel Xarru disse...

No carrocel, hoje à noite, coisa recente, vi as tais maçãs. Elas chovem e ressecam, sem parar. Elas parecem com a palavra coração, quando acomete a boca.

Não sei quantas peles o bicho tem para trocar. Mas parece que está cansado. Também não sei se sabe.

Será que agora já pode nascer algodão doce das ranhuras?

Ou então, será que agora já pode nascer?

E respirar?

*
Lindo, Grazzi! Isso que eu chamo de tirar leite de pedra.
Bjos.

Unknown disse...

...me perdi nos labirintos desse surreal mundo literário!

Anônimo disse...

Grazzi depois q li seu texto, lembrei de Lygia Bojunga
principalmente no livro "retratos de carolina"

parabéns

Fábio Meireles

enten katsudatsu disse...

Puta texto como os demais. Rasgo do trago do infinito traçado e arquitetado de alguém que sabe o que diz, o que é estilhaço.

Beijabraços. Beijo.

Cássio Amaral.

Anônimo disse...

Puta texto como os demais. Rasgo do trago do infinito traçado e arquitetado de alguém que sabe o que diz, o que é estilhaço.

Beijabraços. Beijo.

Cássio Amaral.

Anônimo disse...

Zi, maravilhosos seus textos.. perspicazes, audaciosos...muito particulares..é de se refletir sobre eles.. mas tambpém achar graça das situações.. de como você enxerga a realidade da vida.. sensíveis como você.....bj grande, Jó

Anônimo disse...

Oi, eu de novo
Não poderia deixar de ressaltar esta parte que mais me chamou a atenção: Sendo carregada por quem precisasse de fogo pra acender um cigarro.

"Gostava de pensar que talvez aquele fosse o último cigarro a ser aceso por algum viciado. E sorria pensando nisso. " Que delícia.. isso é que eu chamo de "se deixar levar.." bjs

Unknown disse...

Eu levaria Elisano meu bolso para que pudesse acender meu último cigarro...
Grazzi aventureira das palavras,apaixonada por ela e ela por vc parabéns sucesso

Eleanor Rigby disse...

Belo texto, Grazzi...q continue saltando inspiração dos teus bolsos.
Amo. :)

Rodrigo de Almeida disse...

Depois de ler você, saí do mundo-avesso e fui fumar em jardim: entre rosas e jasmins.

Beijo demorado sabor café com menta.

Anônimo disse...

Sempre se superando, mocinha...
Adoro de paixão ler seus textos, sempre conseguem fazer minha mente vagar para um mundo todo particular, onde somente aqueles com sensibilidade aguçada conseguem penetrar.

Sabe que pensamento me ocorreu quando li Nômade?

O prazer nas pequenas coisas.

Na degustação de uma xícara de café bem quente....
E até mesmo na tragada de cigarro, lenta e precisa.
Mas com a mente distraída.

Parabéns.

Suzzana Alice disse...

Entrei no bolso para encontrar Elisa...Entrei no bolso de Elisa para encontrar a inquietação e a provocação inteligente de Grazzi. Fui tragada pelo bolso que apareceu dentro do outro bolso...